30/07/2009

AMOCA recorre contra decisão judicial que some com cerca de 600 mil m2 de área pública

“A justiça é para o povo!”. A frase dita recentemente pelo atual secretário municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, Ruy Borba Filho, foi revogada sumariamente em decisão do juiz da comarca de Armação dos Búzios, doutor João Carlos Corrêa. Em sentença, o juiz julgou improcedente uma ação civil pública do Ministério Público Estadual que denuncia a ‘privatização’ de áreas públicas do bairro da Ferradura, lesando centenas de moradores.
Nós, da Associação de Moradores e Caseiros da Ferradura (AMOCA), autores da denúncia, lastimamos a decisão e já recorremos da sentença, via advogados e junto com o MP. Não se enganem os autores desta tentativa de mutilação do nosso bairro da Ferradura, não vamos descansar enquanto a justiça de fato for feita.
Descordamos profundamente da argumentação do magistrado de que a transferência de cerca de 600 mil metros quadrados de áreas públicas, de volta para os loteadores, tenha sido feita de modo legítimo. Há, claramente, um erro de interpretação do juiz quando este argumenta que a alteração do mapa do então loteamento da Ferradura, feita em 1973 junto a Prefeitura de Cabo Frio, é suficiente para legalizar tal ação.
A Constituição da República de 1967, que vigorava na época, é clara em seu artigo 46, inciso VI: o poder executivo não tem competência para aprovar transferência de áreas públicas. Somente o poder legislativo tem este poder.
Como bem definiu o promotor de justiça, autor da ACP, “Uma vez incorporados os 595.000 m2 ao patrimônio municipal, através de inscrição em registro do ano de 1973, não poderia a municipalidade aprovar alteração que fizesse retornar ao patrimônio privado toda aquela área, isto sem prévia e expressa autorização legislativa e mediante desafetação e pagamento de justo preço. E nenhuma prova desta autorização foi encontrada no acervo legislativo do município de Cabo Frio”.

Impostos

Outra prova de ilegalidade desta transferência, apontada pelo MP, é que os loteadores, Sociedade Simples Condomínio do Atlântico, nunca pagaram um centavo de taxas ou impostos sobre estas áreas em questão, e nem o município de Cabo Frio ou de Búzios jamais reclamaram tal receita. Como alguém pode passar mais de 30 anos sem pagar impostos sem que o município o reclame ou entre ele em dívida ativa? Simples, porque estas áreas nunca foram efetivamente registradas como parte dos bens da SSCA.
O que deixa os moradores da Ferradura mais perplexos diante tal decisão judicial, além da inegável ilegalidade do ato em sí, foi a tentativa dos réus no processo, SSCA e Prefeitura Municipal de Búzios, de forçar um acordo promiscuo com o MP. A SSCA ofereceu ao município urbanizar os 60 mil m2 de área livres destinadas a parques, praças, estacionamentos e escola, além dos 194.364m2 de vias de comunicação (total de 254.364m2). Em troca eles ficariam com os 595.000 m2 de áreas adjacentes as quadras, que poderiam ser vendidas e edificadas.
Ora, pelo Memorial Descritivo, e planta, do primeiro registro do loteamento, feito em 1968, a municipalidade ficava com um total de 799.264m2 de áreas públicas, sendo que os 595.000m2 de áreas adjacentes as quadras seriam ‘non aedificanti’, ou seja, não poderia ter nenhuma edificação.
Extraordinariamente, o magistrado, em sua decisão, considera tal proposta excelente e lamenta que o MP não a tenha levando em conta. “Realmente de bom tom a proposta de ajuste posto que impossível o ataque ao direito consolidado e à situação fática irremovível. Acontece que a perspectiva de composição não contou com o beneplácito do autor”.
Para o magistrado, a situação atual, ou seja, a ‘privatização’ destas áreas estão consolidadas e não haveria possibilidade para os réus de promover as devidas indenizações, à curto ou médio prazo. “In casu, tem-se que município e loteador, reconhecem a impossibilidade de aplicação prática de eventual decisão judicial que declare públicas as terras que o autor assim considera”.
Para os moradores da Ferradura esta proposição é ofensiva. Urbanizar as praças, parques e vias públicas é o que eles tinham que ter feito há 30 anos, quando da criação do loteamento. A Ferradura é o IPTU mais caro de Búzios e o mais desassistido. A única praça urbanizada do bairro, a da quadra II, foi feita pelos moradores recentemente. O calçamento das ruas foi feito pela prefeitura, com dinheiro público. O resto, continua abandonado e sem nenhuma infra-estrutura.
Outro argumento que o magistrado usou em sua sentença é ainda mais inusitado. Diz que é melhor deixar assim, pois seria impossível o estabelecimento de onde estariam localizadas as áreas pretendidas pelo Ministério Público no total de 595.000m2. E que uma volta ao projeto original, traria uma ‘insegurança jurídica’ e prejudicaria as pessoas de boa fé, que por ventura teriam comprado tais áreas.
Ora, estes 595.000m2 são perfeitamente identificáveis, tanto pelas plantas do loteamento, quando pelos dois memoriais descritivos. É claro que essa identificação demanda tempo e dedicação, mas está lá para quem sabe procurar. Para nós, moradores da Ferradura, o argumento de que os réus não teriam condições de arcar com possíveis indenizações, e tal decisão traria uma ‘insegurança jurídica’ não podem ser aceitos.
Qualquer cidadão e entidade pública ou privada que aja inconsequentemente e ou ilegalmente, tem que arcar com suas responsabilidades. A justiça é feita para o povo e não para defender interesses particulares ou governamentais. E os proprietários que tenham sido iludidos, ou mesmo enganados na compra de uma desta áreas, devem sim buscar seus direitos!